Se tem algo que posso agradecer a São Paulo é pelo verdadeiro estágio sociológico, antropológico e emocional que tem me proporcionado. Em meio a tantos milhões de moradores, consigo tirar, quase que diariamente, uma história que vale a pena ser dividida.
Hoje foi assim. Estava pegando o meu segundo ônibus para ir para a casa, já cansada pelo longo trajeto, quando escutei um choro forte, como que de uma criança. Ao me virar para entender o que estava acontecendo, vi o trocador debruçado sobre a caixinha de dinheiro, chorando inconsolavelmente. Ali, vi um homem magrinho e pequenininho, que, provavelmente, nascera com uma deficiência física. Mas, apesar da estatura e do choro forte, quem estava diante de mim era um homem de verdade, que se viu fragilizado por um acontecimento do destino. Sua namorada acabara de lhe ligar, dizendo que a mãe havia falecido. Curiosamente, quem chorava era o genro, mas como um filho verdadeiro.
O ônibus parou. Todos olhavam para ele com um semblante assustado ou de impotência diante de seu choro que ficava cada vez mais alto e forte. Em minha cabeça, milhares de coisas passavam, mas, naquele momento, eu só pensei em rezar e rezar, pedindo a Deus que aliviasse a dor daquele pequeno grande homem. Após ele se acalmar, seguimos viagem, mas ainda escutávamos alguns soluços baixos, indicando um choro guardado.
Uma mulher foi, então, falar com ele. Escutei-o dizendo que a sogra morava em outra cidade e que a namorada tinha ido visitá-la no fim de semana. A mulher assumiu o discurso e somente ouvi o final: “ah, a vida é assim, né? Todos nós esperamos morrer um dia e bom... Foi o que aconteceu”. Confesso que assustei-me com a frieza dela. Seria um reflexo de uma dor passada, a assimilação da vida em um grande centro ou a falta de palavras certas para consolá-lo, mesmo que bem intencionada? O fato é que não resolveu. Com o ônibus em movimento, escutei novamente um choro forte e quando olhei para a direção em que ele ficava, o vi sentado no chão, agora ainda mais pequenino e frágil, com as mãos nos olhos enxugando as lágrimas que caíam. Meu coração apertou, mas, diferentemente da mulher, não consegui ter a mesma coragem de ir consolá-lo, talvez por também não ter as palavras perfeitas para aliviar a sua dor.
Vi uma mulher de branco se levantar. Provavelmente uma enfermeira, acredito. Ela aproximou-se dele e falou-lhe algumas palavras em seu ouvido e, lentamente, ele foi se acalmando. Talvez a sua experiência em lidar com dores e sofrimentos diários a fizera preparada para ajudá-lo naquele momento difícil. Porque a vida é assim: ela nos prepara com exercícios práticos. Quanto mais lidamos com os obstáculos em nosso caminho ou nos caminhos de quem convivemos, mais nos tornamos fortes e maduros.
Alguns minutos depois, chegou o meu momento de descer do ônibus. Eu olhava para o cobrador, sentia uma vontade imensa de me aproximar, de ajudar, dizer algo, mas, ao mesmo tempo, enxergava a minha impotência para resolver o problema.
Desci do ônibus, caminhei um pouco e parei. Pensei em tudo o que acontecera e busquei entender o que significou a manifestação da dor daquele rapaz. Provavelmente, ele se colocou no lugar da mulher amada, que perdera a mãe e certamente estaria desconsolada. Muita gente poderia duvidar que um homem pequenino, com estatura quase que de uma criança, pudesse ter um relacionamento sério, um apoio e um amor a zelar. E ao vê-lo chorando, percebi o valor que essa pessoa tem em sua vida. Ela tem tamanha importância que ele conseguiu sentir a dor dela e não se conteve, mesmo diante dos vários olhares curiosos e amedrontados. Que bela lição de amor! Ainda que muita gente possa olhá-lo com pena (o que, infelizmente, ainda é um sentimento natural em nossa sociedade - e não me excluo desse meio), ele tinha alguém que o valorizava com ser humano, que o amava como homem e que o escolhera também para dividir a sua dor.
Foi um momento paradoxal, de uma fusão de vários sentimentos ao presenciar uma cena tão inusitada. Mas saí dali certa de que somente uma coisa irá curar a tristeza que ele sentira: o amor. O amor que ele tem para dar a sua namorada e o que tem a receber dela. O amor que ele sentiu dessas voluntárias que tentaram ajudá-lo. E o amor de ter sido “visto” de verdade, mesmo que, para isso, precisasse chorar e dividir a sua dor conosco.
Ninguém é tão forte que não possa fraquejar. E ninguém é tão fraco que não possa usar dessa mesma fraqueza para mostrar a grandeza de sua alma.